Editores da série MOC: Antonio Carlos Buzaid - Fernando Cotait Maluf - Carlos H. Barrios

Editor-convidado: Caio Max S. Rocha Lima

Mama

O que muda no câncer de mama após San Antonio 2013?

Remoção do tumor primário da mama tem pouco ou nenhum impacto na sobrevida global de pacientes que se apresentam com doença metastática

Até recentemente havia grande controvérsia sobre o valor da ressecção do tumor primário em pacientes que se apresentavam com doença metastática ao diagnóstico. Algumas séries retrospectivas reportavam que a remoção do tumor primário poderia ser beneficial, enquanto outras não. Uma meta-análise recente, que incorporou estes vários estudos, sugeria que a cirurgia para o tumor primário era beneficial¹.  Em San Antonio 2013, foram apresentados dois estudos randomizados de fase III, um conduzido na Índia e outro na Turquia, que demonstraram que a cirurgia para o tumor primário da mama em pacientes que se apresentam com doença metastática não teve nenhum impacto na sobrevida global2,3.

O estudo indiano randomizou 350 mulheres com câncer de mama metastático e constatou-se que, aquelas que se submeteram a mastectomia e remoção dos linfonodos axilares mais radioterapia, não obtiveram melhores taxas de sobrevida global (SG) em relação às mulheres tratadas apenas com medicação. Após um follow-up de 72 meses, a SG foi de 20,5% para as pacientes tratadas com a terapia loco-regional e 19,2% para aquelas tratadas sem. O hazard ratio (HR) para cirurgia foi de 1,04 e não foi estatisticamente significante.

Os dados de sobrevida livre de progressão (SLP) local foram melhores no grupo submetido à cirurgia/radioterapia (HR=0,16), apesar de a SLP à distância ter sido pior nesse mesmo grupo (HR=1,42; p=0,01). Os resultados sugerem que a remoção do tumor primário promoveu, de alguma maneira, o crescimento de metástases à distância.

Não obstante, permanece importante, no que concerne a qualidade de vida das pacientes, o controle loco-regional da doença, principalmente em pacientes que tem grande volume de doença no sítio primário e pouca doença sistêmica.

Referências:

  • Harris E, Barry M, Kell MR. Meta-analysis to determine if surgical resection of the primary tumour in the setting of stage IV breast cancer impacts on survival. Ann Surg Oncol 20:2828, 2013.
  • Badwe R, Parmar V, Hawaldar R, et al. Surgical removal of primary tumor and axillary lymph nodes in women with metastatic breast cancer at first presentation: A randomized controlled Trial.Cancer Res 73: abstr S2-02, 2013.
  • Soran A, Ozmen V, Ozbas S, et al. Early follow up of a randomized trial evaluating resection of the primary breast tumor in women presenting with de novo stage IV breast cancer – Turkish Study. Cancer Res 73: abstr S2-02, 2013.

Adicionar carboplatina ao regime de quimioterapia neoadjuvante para pacientes com câncer de mama triplo negativo aumenta a taxa de resposta patológica completa (RPc)

A taxa de resposta patológica completa (RCp) é geralmente considerada um bom marcador para resultados a longo prazo, tornando estes resultados muito encorajadores. No entanto, a toxicidade é maior, portanto o uso da carboplatina deve ser considerado, em pacientes com risco alto.

No cenário neoadjuvante, a evidência de um benefício em mulheres com doença triplo-negativo vem de uma metanálise apresentada no congresso de San Antonio de 2012. Esse estudo demonstrou que 34% dos pacientes tiveram uma RCp com quimioterapia neoadjuvante e estas pacientes tiveram uma sobrevida global (SG) significativamente melhor do que as mulheres que tiveram doença residual após a neoadjuvância.

Os tumores de mama triplo-negativo representam cerca de 10 a 20% dos cânceres de mama e são mais comuns em negros, hispânicos, mulheres mais jovens e aquelas com mutações BRCA1.

Embora tenhamos tido avanços no tratamento adjuvante, as pacientes com doença triplo-negativo ainda têm pior prognóstico quando comparados com os tumores com receptor hormonal positivo ou HER-2 positivo.

CALGB 40603 (Estudo Alliance)¹

O CALGB 40603, foi um estudo randomizado de fase II, apresentado recentemente no Congresso de San Antonio. Foram estudadas 443 pacientes com tumor triplo-negativo operável. As pacientes foram randomizadas para quimioterapia neoadjuvante exclusiva ou associada a bevacizumabe, carboplatina ou ambos, em desenho fatorial 2 X 2.

Os resultados encontrados foram:

  • A taxa de RCp aumentou de 41 para 54% (p<0,05) com a adição de carboplatina;
  • Houve um aumento na taxa de neutropenia e trombocitopenia nas pacientes tratadas com carboplatina;
  • O acréscimo de bevacizumabe não demonstrou benefício estatisticamente significante e aumentou a toxicidade.

Corroborando os dados do estudo Alliance, temos o estudo GeparSixto, apresentado na ASCO 2013 que avaliou o papel da adição da carboplatina em tumores triplo-negativos assim como em tumores HER-2 positivos. No subgrupo de pacientes com tumor triplo-negativo (n=315), a adição de carboplatina (AUC 2, dose depois reduzida para 1,5 em esquema semanal) à paclitaxel, doxorrubicina lipossomal não peguilada e bevacizumabe, durante 18 semanas, resultou em aumento significativo de RCp: 58,7 x 37,9% (p<0,05), embora às custas de maior toxicidade.

A tabela a seguir compara o ganho observado no estudo Alliance e no GeparSixto.

 

Sem Carboplatina

Com Carboplatina

Ganho Absoluto

GeparSixto

37,9%

58,7%

20,8%

Alliance

41%

54%

13%

Embora não haja resultados de longo prazo, como a RCp tem uma robusta correlação com a sobrevida global em tumores triplo-negativos, a adição de carboplatina deve ser fortemente considerada a um esquema que envolve taxano e antracíclico nestes tumores.

Baseado nestes dados, no MOC 2014, a adição de carboplatina a taxano seguido de esquema com antracícilio, foi recomendada como a melhor opção em pacientes com tumors ductais triplo-negativos, tanto na neoadjuvancia como na adjuvancia. Favorecemos o esquema de paclitaxel 80 mg/m² EV em combinação com carboplatina, AUC 6 (ou AUC 2 semanalmente) X 12 semanas, seguido de AC dose densa X 4 ciclos.

Referências:

  • Sikov WM, Berry DA, Perou CM, et al. Impact of the addition of carboplatin (Cb) and/or bevacizumab (B) to neoadjuvant weekly paclitaxel (P) followed by dose-dense AC on pathologic complete response (pCR) rates in triple-negative breast cancer (TNBC): CALGB 40603 (Alliance). Paper presented at: 36th Annual San Antonio Breast Cancer Symposium; December 10–14, 2013; Abstract S5-01.
  • Von Minckwitz G, Schneeweiss A, Salat C, et al. A randomized phase II trial investigating the addition of carboplatin to neoadjuvant therapy for triple-negative and HER2-positive early breast cancer (GeparSixto). J Clin Oncol 31:abstr 1004, 2013.

Uso de bifosfonatos na adjuvância em mulheres na pós-menopausa com câncer de mama aumenta sobrevida global

Foi apresentada em San Antonio 2013 a esperada metanálise baseada em dados de pacientes individuais avaliando especificamente o papel dos bifosfonatos na adjuvância.  Foram incluídas informações de 36 estudos que trataram mais de 22.000 pacientes com câncer de mama inicial, randomizadas para receber ou não bisfosfonatos.

Considerando a análise global, não se observou nenhum benefício com a adição dos bisfosfonatos na adjuvância. Em todas as mulheres do estudo, a recorrência de câncer de mama foi reduzida em 1,1% entre as pacientes que fizeram uso de bisfosfonatos (p=0,08), e recorrências distantes foram reduzidas em 1,4% nas mulheres que utilizaram bifosfonatos (p=0,03).

Entretanto, no grupo que envolveu as mulheres pós-menopausadas (mais de 11.000 pacientes) houve uma diminuição estatisticamente e clinicamente significativa de 34% nas recorrências ósseas, um aumento na sobrevida livre de doença e uma diminuição de 17% na mortalidade.

Em termos absolutos, a mortalidade câncer específica foi reduzida em 3,1% entre as mulheres na pós-menopausa que utilizaram bisfosfonatos (p=0,004). Também houve uma redução significativa na mortalidade por todas as causas a favor das mulheres na pós-menopausa em uso de bifosfonatos (23,8 para 21,5%; p=0,007).

Os resultados foram independentes da expressão de RH, do comprometimento linfonodal e do uso ou não de quimioterapia.  Não se observou nenhum benefício com o uso de bifosfonatos nas mulheres pré-menopausadas.

A luz destes dados, recomendamos fortemente o uso de um bifosfonato na adjuvância em mulheres na pós-menopausa. Sugerimos zoledronato, 4 mg EV a cada 6 meses por 3 anos, seguindo o esquema do ABCSG12.

Referência:

  • Coleman R, Gnant M, Paterson A, et al. Effects of bisphosphonate treatment on recurrence and cause-specific mortality in women with early breast cancer: a meta-analysis of individual patient data from randomised trials. Paper presented at: 36th Annual San Antonio Breast Cancer Symposium; December 10-14, 2013; San Antonio, TX. Abstract S4-07.

Radioterapia adjuvante pode ser omitida em mulheres com idade maior que 65 anos, com tumores pequenos, de baixo grau, N0 e com forte expressão de receptores hormonais

Um interessante estudo, PRIME-2, apresentando em San Antonio avaliou o papel da radioterapia (RT) pós-operatória em pacientes com mais de 65 anos, N0 e com receptores hormonais positivos. Foram incluídas um total de 1326 mulheres com idade superior a 65 anos, tumores < 3 cm, receptor hormonal positivo, graus 1 ou 2, sem invasão linfática, margem negativa e sem envolvimento linfonodal. As pacientes foram randomizadas a lumpectomia isolada versus lumpectomia seguida de radioterapia adjuvante para a mama toda.

Os resultados encontrados, após o seguimento mediano de 5 anos, foram:

  • Maior taxa de recorrência ipsilateral para o grupo sem RT 2,7% (IC de 95%: 1,4-4,0) versus 0,6% (IC de 95%: 1,4-4,0) no grupo tratado com RT (HR=4,3; IC de 95%: 1,4-12,7; p=0,004);
  • Pacientes com alta expressão de receptores hormonais a taxa de recorrência local foi de 3,2 versus 0,8%, enquanto naqueles com baixa expressão de receptores hormonais foi de 11,1 versus 0%;
  • Não houve diferença na SG entre os braços.

O estudo PRIME-2 veio corroborar os dados do estudo CALGB 9343. Neste estudo foi demonstrado que é possível omitir a RT adjuvante para pacientes com mais de 70 anos tratadas com cirurgia conservadora com margens livres, tumores menores que 2 cm com RH positivo e medicadas com tamoxifeno adjuvante por 5 anos. Esse estudo randomizou pacientes dessa faixa etária com T ≤ 2 cm tratadas com cirurgia conservadora com margens livres e RH positivo para RT e tamoxifeno versus tamoxifeno sem RT. Após 12 anos de seguimento mediano, houve diferença significativa na recidiva local (2% para o braço de tamoxifeno e RT versus 9% para tamoxifeno somente, p=0,0001). Entretanto, essa maior recidiva local não alterou a taxa de mastectomia de resgate (2% para tamoxifeno + RT versus 4% para tamoxifeno isolado, p=0,1779), sobrevida livre de metástases à distância (p=0,461), sobrevida específica por câncer de mama (p=0,4115) e SG (p=0,8045).

Em conjunto, os estudos CALGB 9343 e o PRIME-2 demonstram que se pode omitir RT adjuvante em mulheres idosas, com tumores pequenos (T < 2 cm), de baixo grau, sem invasão linfática, com margens negativas, linfonodo negativo e, principalmente, que tenham forte expressão de receptores hormonais.

Referências:

  • Kunkler IH, Williams LW, Jack W, et al. The PRIME 2 trial: Wide local excision and adjuvant hormonal therapy ± postoperative whole breast irradiation in women ≥ 65 years with early breast cancer managed by breast conservation. 36th Annual San Antonio Breast Cancer Symposium (SABCS): Abstract S2-01. Presented December 11, 2013.
  • Hughes K, Schnaper L, Bellon J, et al. Lumpectomy Plus Tamoxifen With or Without Irradiation in Women Age 70 Years or Older With Early Breast Cancer: Long-Term Follow-Up of CALGB 9343. J Clin Oncol 31:2382, 2013.

Mutações do gene PIK3CA em câncer de mama conferem resistência a terapia antiHER-2

Mutações que conferem resistência a drogas são comuns em pacientes com câncer de mama metastático. Investigadores da Alemanha apresentaram dados que evidenciaram uma frequência cada vez maior de mutações relacionadas à resistência a drogas na doença em estágio inicial no cenário neoadjuvante.

A mutação do gene PIK3CA é a segunda mutação mais comum no câncer de mama e está presente em aproximadamente 20% dos tumores. Em vários estudos recentes, as mutações no PIK3CA têm sido associadas com pior prognóstico, particularmente em mulheres com câncer de mama HER-2 positivo.

Recentemente, no 36th Annual San Antonio Breast Cancer Symposium (SABCS), foram apresentados os dados de um estudo 1 que envolveu 737 pacientes com câncer de mama, estádio inicial em terapia neoadjuvante, provenientes dos estudos GeparQuinto e GeparSixto, a mutação do gene PIK3CA foi preditiva de pior resposta patológica completa e pior prognóstico.

No estudo GeparQuinto, as pacientes foram randomizadas para lapatinibe ou trastuzumabe para o tratamento da doença HER-2 positivo. Em GeparSixto, as pacientes receberam ambos os agentes para a doença HER-2 positivo ou triplo-negativo. Todas as pacientes receberam quimioterapia antes da cirurgia.

Tabela. Taxas RCp nos estudos GeparQuinto e GeparSixto.

Grupo de Tratamento

Mutação PIK3CA, %

SEM mutação PIK3CA, %

GeparQuinto

Lapatinibe

17,6

18,6

Trastuzumabe

18,2

33,3

GeparSixto

Lapatinibe e trastuzumabe

17

37,1

Nesse estudo, as pacientes com mutação no gene PIK3CA apresentaram menor taxa de resposta à terapia neoadjuvante, quando comparado às pacientes sem mutação do gene PIK3CA.

Este estudo alemão confirma os resultados de dois estudos de terapia neoadjuvante – o NeoALTTO trial (bloqueio duplo com trastuzumabe e lapatinibe) e o NeoSphere trial (pertuzumabe e trastuzumabe) que mostraram que as mulheres com mutações no gene PIK3CA tiveram menor taxa de resposta completa do que aquelas com PIK3CA selvagem.

Ademais, vários estudos têm demonstrado que as mutações PIK3CA estão associadas a piores resultados também em pacientes com doença metastática, por exemplo, no CLEOPATRA Trial², apresentado na SABCS em 2012, em pacientes com câncer de mama metastático, HER-2 positivo, tratados com pertuzumabe, a sobrevida global mediana foi significativamente maior naqueles com PIK3CA selvagem do que naqueles com a mutação (21,5 versus 12,5 meses).

A pergunta chave é se o uso de inibidores da PIK3CA em conjunção com esquemas de tratamento anti-HER-2 e quimioterapia é factível e capaz de reverter parte da resistência à este tipo de terapia sistêmica. Estudos estão em andamento avaliando esta questão.

Referências:

  • Contreras A, Herrera S, Wang T, et al. PIK3CA mutations and/or low PTEN predict resistance to combined anti-HER2 therapy with lapatinib and trastuzumab and without chemotherapy in TBCRC006, a neoadjuvant trial of HER2-positive breast cancer patients. 36th Annual San Antonio Breast Cancer Symposium (SABCS): Sumário S4-06 (Loibl), apresentado em 11 de dezembro de 2013.
  • Baselga J, Cortés J, Kim S, et al. Pertuzumab plus Trastuzumab plus Docetaxel for Metastatic Breast Cancer. N Engl J Med 366:109, 2012.

 

Antônio Carlos Buzaid
(Chefe Geral do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes – Beneficência Portuguesa de São Paulo)

Raphael Brandão Moreira
(Médico Residente de Oncologia Clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes – Beneficência Portuguesa de São Paulo)

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