Editores da série MOC: Antonio Carlos Buzaid - Fernando Cotait Maluf - Carlos H. Barrios

Editor-convidado: Caio Max S. Rocha Lima

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Vacinas contra o câncer: uma nova era para prevenção e tratamento individualizado

Quando pensamos em vacinas, lembramos imediatamente da prevenção de doenças infecciosas, como sarampo, caxumba, gripe e COVID-19. Algumas delas, como as vacinas contra HPV e hepatite B, vão além das infecções e reduzem a incidência de cânceres associados a vírus, como os de colo do útero e fígado, respectivamente. Mais recentemente, as pesquisas têm avançado para uma geração de vacinas direcionadas a características específicas das células tumorais.

Nesse sentido, as vacinas podem ser divididas em preventivas e terapêuticas. As preventivas buscam impedir o surgimento do câncer em indivíduos saudáveis, atuando sobre vírus ou alterações moleculares associadas à transformação maligna. Já as terapêuticas são destinadas a pacientes com diagnóstico estabelecido, com o objetivo de estimular o sistema imunológico para reconhecer e eliminar células tumorais.

Ambas as abordagens têm como alvo antígenos tumorais, classificados como específicos do tumor (proteínas alteradas por mutações presentes apenas nas células cancerosas) ou associados ao tumor (proteínas normais do organismo, expressas em níveis aumentados em tumores). As plataformas tecnológicas empregadas para produzir vacinas contra esses antígenos incluem peptídeos, DNA, RNA mensageiro e vetores virais.

Vacinas preventivas: quais são os alvos potenciais?

Estratégias promissoras têm focado na prevenção do câncer colorretal em indivíduos com síndrome de Lynch. Destaca-se a Nous-209, vacina que utiliza vetores virais para codificar 209 neoantígenos compartilhados entre tumores com instabilidade de microssatélites esporádicos ou hereditários1. Outra vacina, a Tri-Ad5, em fase II (NCT05419011), combina três antígenos tumorais (CEA, MUC1 e Brachyury) em vetor adenoviral associado ao imunomodulador N-803, que estimula células T e NK2 .

Outra abordagem inovadora investiga a prevenção do câncer de pâncreas em indivíduos de alto risco genético, utilizando uma vacina de peptídeos longos sintéticos que representam seis variantes mutantes do gene KRAS (G12D, G12R, G12V, G12A, G12C, G13D). O estudo de fase I (NCT05013216) inclui pacientes com lesões pancreáticas pré-malignas, histórico familiar ou mutações germinativas associadas ao adenocarcinoma pancreático3.

Vacinas terapêuticas: rumo à imunização personalizada no câncer

A vacina Sipuleucel-T, aprovada pelo FDA em 2010 para o câncer de próstata metastático resistente à castração, foi pioneira em demonstrar a possibilidade de modular o sistema imune com ganho de sobrevida. Contudo, essa vacina não provocou a revolução inicialmente esperada, e após 15 anos ainda não temos uma terapia amplamente adotada baseada em vacinas4.

Diversos fatores contribuíram para isso, como a complexidade da resposta imunológica antitumoral, a heterogeneidade molecular entre os tumores e as dificuldades logísticas na produção personalizada em larga escala. No entanto, avanços recentes em técnicas diagnósticas e plataformas vacinais estão mudando esse cenário.

Novos tratamentos têm mostrado bons resultados especialmente em tumores com alta carga mutacional, como o melanoma. No estudo KEYNOTE-942, a vacina de mRNA mRNA-4157/V940 combinada ao pembrolizumabe reduziu em 44% o risco de recidiva ou morte em pacientes com melanoma ressecado de risco alto, com boa tolerabilidade5. No câncer de pulmão de células não pequenas, o estudo de fase I NOUS-PEV-LUNG utiliza peptídeos associados a vetores virais em pacientes com doença estável após o tratamento sistêmico. Resultados preliminares mostraram ativação específica de células T e perfil de segurança favorável, indicando potencial para terapia adjuvante ou de manutenção6.

No câncer de mama triplo-negativo, o estudo ABCSG-34 avaliou a vacina tecemotide, baseada no antígeno MUC1, em combinação com terapia neoadjuvante padrão em pacientes HER2-negativas. Os resultados mostraram melhora significativa na sobrevida livre de recidiva à distância e sobrevida global, representando a primeira evidência de benefício de sobrevida com vacina terapêutica nesse cenário7.

Embora ainda em fase experimental, essas vacinas representam uma promessa para um futuro em que o tratamento do câncer seja cada vez mais personalizado e guiado por estratégias imunológicas. Vale lembrar que ainda não há uma vacina única capaz de prevenir ou tratar vários tipos de câncer, já que cada tumor apresenta características específicas.

Por Dr. Caio Leite

Referências:

  1. Vilar E, Willis J, D’Alise AM, et al. Nous-209 vaccine induces shared neoantigen immunogenicity for cancer interception in healthy Lynch syndrome carriers: results from Phase Ib/II trial.J Immunother Cancer. 2024;12(Suppl 2):A732.
  2. Schoen RE, et al. Efficacy of a MUC1 vaccine to prevent recurrence of advanced adenomas: a randomized clinical trial.Clin Cancer Res. 2023;29(9):1678–1688.
  3. Haldar SD, et al. A phase I trial evaluating the safety and immunogenicity of an mKRAS vaccine in individuals at high risk for pancreatic cancer.J Clin Oncol. 2023;41(Suppl 4):TPS758.
  4. Kantoff PW, et al. Sipuleucel-T immunotherapy for castration-resistant prostate cancer.N Engl J Med. 2010;363(5):411–422.
  5. Weber JS, et al. Randomized phase 2 trial of personalized cancer vaccine mRNA-4157 plus pembrolizumab versus pembrolizumab alone in patients with resected melanoma (KEYNOTE-942).Lancet. 2024;403(10427):632–644.
  6. D’Alise AM, et al. First-in-human, phase I clinical trial of Nous-PEV, an off-the-shelf immunotherapy targeting shared neoantigens in solid tumors.Clin Cancer Res. 2024;30(11):2412–2423.
  7. Christian F, et al. Long-term outcomes of MUC1-targeted vaccine tecemotide in early HER2-negative breast cancer: final results from ABCSG-34 trial.J Clin Oncol. 2024;42(Suppl 16):587.

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