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O futuro do rastreamento do câncer: será um exame de sangue capaz de detectar diversos tumores?
A detecção precoce do câncer por meio de ferramentas como a tomografia de baixa dose para câncer de pulmão e a mamografia para câncer de mama, reduz a mortalidade ao permitir um diagnóstico em estágios iniciais da doença. No entanto, a falta de métodos eficazes de rastreamento para muitos outros tipos de câncer ainda é um desafio.
Testes de detecção precoce de múltiplos cânceres (MCED, sigla em inglês), realizados com uma simples amostra de sangue, representam uma promissora inovação no rastreamento oncológico, embora ainda estejam em fase de desenvolvimento.
Como funcionam os testes MCED?
Os testes são realizados através da análise de diversas características do DNA tumoral circulante (ctDNA) presente no sangue, incluindo mutações genéticas, padrões de metilação do DNA e fragmentos de DNA tumoral. Além do ctDNA, os testes também podem analisar outros biomarcadores, como células tumorais circulantes, RNA, proteínas, metabólitos e glicosaminoglicanos presentes no sangue. Esses componentes encontrados no sangue são processados e através de inteligência artificial e machine learning são determinados os limiares de resultados positivos e negativos em relação a presença de câncer e até mesmo qual sua origem tecidual.
Para obter a aprovação dos órgãos regulatórios, os testes MCED precisam passar por um rigoroso processo de desenvolvimento, incluindo estudos pré-clínicos, validação, avaliação retrospectiva e prospectiva, e, por fim, estudos clínicos para avaliar o impacto na mortalidade. Atualmente, apenas os testes Galleri®, GRAIL e CancerguardTM, Exact Sciences, foram submetidos a estudos prospectivos e apenas o Galleri® está em estudo randomizado, aguardando resultados de desfecho para o ano de 2026.
Principais testes em desenvolvimento
Galleri®, GRAIL: através do sequenciamento do ctDNA, são avaliados padrões de metilação. O estudo PATHFINDER combinou o Galleri® aos exames de rotina, sendo avaliados 6.662 participantes dos EUA com mais de 50 anos, sem suspeita de câncer nos últimos 3 anos, embora um quarto tivesse histórico anterior. Dentre os 6.621 participantes testados, 92 (1,4%) apresentaram resultado positivo no teste. Desses, 35 casos foram verdadeiros positivos, correspondendo a 0,5% do total. Dentre os cânceres diagnosticados, 14 foram detectados em estágio inicial, sete deles sem programas de rastreamento populacional específico: orofaringe, pâncreas, fígado, intestino delgado, útero, ossos e neoplasias hematológicas. Em suma, foram necessários 228 testes para identificar um novo câncer e 473 para detectar um em estágio inicial1. Atualmente, são aguardados os dados de mortalidade de um estudo utilizando o Galleri® como ferramenta de rastreamento do câncer em mais de 140 mil indivíduos do Reino Unido (NCT05611632).
CancerguardTM, Exact Sciences: é realizado o sequenciamento do ctDNA para avaliar padrões de metilação, além disso, são mensuradas algumas proteínas e a presença de aneuploidia. O estudo DETECT-A avaliou 10.006 mulheres dos EUA com idade entre 65 e 75 anos sem histórico de câncer, combinando o CancerguardTM a métodos de triagens convencionais e ainda padronizou o PET scan como ferramenta de avaliação nos casos positivos, reduzindo a necessidade de procedimentos invasivos. O teste detectou 26 casos de câncer (0,26%), dos quais oito estavam em estágios iniciais, incluindo câncer de ovário, útero e tireoide, para os quais não há triagem recomendada. Foram necessários 381 testes para identificar um novo câncer e 1.239 para detectar um em estágio inicial2. Dados apresentados na conferência AACR Liquid Biopsy, em novembro de 2024, destacaram o potencial do rastreamento com CancerguardTM em reduzir mortalidade. Para isso, utilizaram uma simulação entre seus resultados e uma base de dados americana, contudo essa informação precisa ser validada com estudos prospectivos3.
Benefícios e riscos dos testes MCED
São testes não invasivos, capazes de detectar múltiplos cânceres, reduzindo a necessidade de inúmeros exames de triagem diferentes. Por outro lado, os desafios principais são a baixa sensibilidade para tumores em estágios muito iniciais e o risco de que resultados falsos positivos possam gerar procedimentos invasivos desnecessários. Na verdade, não há consenso sobre como os resultados de testes MCED devem ser seguidos ou qual a sequência de condutas após um teste positivo.
Quando os testes MCED serão parte de programas de triagem?
Embora os testes MCED mostrem um grande potencial, a sua implementação requer mais estudos. Além disso, eles não devem substituir métodos tradicionais como mamografia ou colonoscopia, mas sim complementar esses métodos ou integrar programas para tumores que carecem de testes de rastreio. Estudos como o Vanguard Study, prospectivo, de larga escala e idealizado pelo National Cancer Institute dos EUA com previsão de início em 2025, têm como objetivo avaliar riscos e benefícios do uso de MCED e verificar se a detecção precoce é capaz de reduzir a mortalidade4.
Por Dr. Caio Leite
Referências:
- Schrag, D. et al. Blood-based tests for multicancer early detection (PATHFINDER): a prospective cohort study. Lancet. 402 (10409): 1251, 2023
- Lennon, A. M. et al. Feasibility of blood testing combined with PET-CT to screen for cancer and guide intervention. Science. 369 (6499): eabb9601, 2020
- Chhatwal, J. et al. A multi-institutional study to assess the clinical utility of a blood-based multi-cancer early detection (MCED) assay. Clin Cancer Res. 30 (21 Suppl): PR006, 2024
- Minasian LM, et al. Study design considerations for trials to evaluate multi-cancer early detection assays for clinical utility. J Natl Cancer Inst. 115(3):250, 2022