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Do sopro ao diagnóstico: tecnologias que detectam câncer pelo ar exalado
A análise de compostos orgânicos voláteis (VOCs) no ar exalado vem emergindo como alternativa não invasiva para rastreamento e monitoramento em oncologia. Essas moléculas refletem alterações metabólicas tumorais e podem ser identificadas por espectrometria de massa, espectrometria de mobilidade iônica (GC-IMS) ou sensores eletrônicos (eNoses). O diferencial das últimas publicações é a incorporação de algoritmos de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina, capazes de processar grandes bancos de dados e reconhecer assinaturas químicas complexas com alta acurácia.
Paralelamente, empresas como Owlstone Medical (Breath Biopsy®), Breath Diagnostics (OneBreath™), The eNose Company (aeoNose) e SpotitEarly (teste multicâncer domiciliar com IA e cães farejadores) já desenvolvem plataformas que associam coleta padronizada e análise automatizada, buscando viabilizar clinicamente.
Detecção precoce por ar exalado
Em 2025, um estudo multicêntrico publicado no Cancers avaliou 73 pacientes com câncer de pulmão e 123 controles. O modelo baseado em GC-IMS associado a inteligência artificial atingiu acurácia de 90%, com sensibilidade de 87% e especificidade de 92%. No subgrupo de estágio IA, os resultados foram ainda mais expressivos (sensibilidade 90%, especificidade 93%), destacando o papel desse método na detecção precoce dos tumores de pulmão.1
Recentemente, um estudo prospectivo multicêntrico validou externamente o SpiroNose®, dispositivo que detecta VOCs por meio de sensores químicos integrados à IA. Conduzido em consultórios de pneumologia, o estudo demonstrou que o SpiroNose® distinguiu pacientes com câncer de pulmão de controles com sensibilidade de 94% e especificidade de 63%, mantendo desempenho consistente independentemente do estágio, histologia ou centro de coleta.2 Uma meta-análise que revisou mais de 120 estudos com pacientes com diversos tipos de câncer demonstrou que os testes baseados em VOCs alcançam sensibilidade de 89% e especificidade de 87%, com desempenho semelhante entre espectrometria e sensores, ambos potencializados por modelos de IA.3
Na ASCO 2025, um estudo retrospectivo conduzido na Índia avaliou 1.000 amostras de ar exalado (105 com câncer, 895 controles). Cães treinados realizaram a detecção de VOCs observados por sensores de movimento, vídeo e eletroencefalograma para registrar respostas comportamentais integradas a modelos de IA. O sistema atingiu sensibilidade de 96% e especificidade de 100% para múltiplos cânceres, incluindo oral, mama, esôfago e colo uterino, com sensibilidade de 85% em tumores iniciais.4
No campo dos tumores raros, uma meta-análise recente sobre mesotelioma pleural maligno (8 estudos, 859 participantes) demonstrou que a análise de VOCs alcançou sensibilidade de 86% e especificidade de 73% para detecção da doença. Em indivíduos previamente expostos ao amianto, o desempenho foi ainda maior, com sensibilidade de 89% e especificidade de 79%.5
Outra frente de inovação com VOCs é a estratificação molecular. Em adenocarcinoma de pulmão, a análise de 246 amostras de ar exalado identificou 10 VOCs associados ao status mutacional de EGFR. O modelo preditivo alcançou sensibilidade de 71% e especificidade de 71% na detecção de mutações em EGFR.6
Potencial no seguimento e na doença avançada
O monitoramento seriado de VOCs, analisados por algoritmos de aprendizado de máquina que incorporam variáveis ambientais e clínicas, pode ser promissor para vigilância pós-tratamento e avaliação de resposta em doença avançada. Em um estudo com 39 pacientes com câncer de pulmão avançado, 143 amostras de sopro foram analisadas, permitindo diferenciar resposta parcial/doença estável de progressão com 85% de acurácia7, configurando um marcador dinâmico e não invasivo da atividade tumoral.
Limitações e desafios
Apesar dos avanços, existem barreiras relevantes, como a ausência de padronização nos protocolos de coleta, armazenamento e análise das amostras, que dificulta a comparação entre estudos. Fatores externos, como, tabagismo, dieta, microbioma e doenças pulmonares benignas também podem interferir nos perfis de VOCs, demandando algoritmos robustos de correção. Além disso, embora já disponíveis em contexto de pesquisa, essas tecnologias ainda se encontram fora das diretrizes clínicas.
Perspectivas futuras
A incorporação de inteligência artificial e aprendizado de máquina tende a ser o diferencial para a consolidação da análise de VOCs em oncologia. No futuro, assinaturas respiratórias poderão ser integradas a biópsias líquidas (ctDNA, metiloma) e à radiômica, gerando modelos preditivos mais precisos. Assim, em breve, poderemos diagnosticar o câncer utilizando o ar exalado, revolucionando a forma de detectar e acompanhar os pacientes oncológicos.
Por Dr. Caio Leite
Referências
- Raimundo BS, et al. Breath Insights: Advancing Lung Cancer Early-Stage Detection Through AI Algorithms in Non-Invasive VOC Profiling Trials. Cancers (Basel). 2025; 17(10):1685.
- Buma AIG, et al. Lung cancer detection by electronic nose analysis of exhaled breath: a multicentre prospective external validation study. Ann Oncol. 2025; 36(7):786-795.
- Jia Z, et al. Advanced strategy for cancer detection based on volatile organic compounds in breath. J Nanobiotechnology. 2025; 23(1):468.
- Kulgod A, et al. Breath-based VOC analysis leveraging canine olfaction for multi-cancer detection: Insights from a 1000-sample study. Journal of Clinical Oncology. 2025; 43 (16_suppl).
- Zhao T, et al. Volatile organic compounds in exhaled human breath for the diagnosis of malignant pleural mesothelioma: a meta-analysis. Front Oncol. 2025; 15:1537767.
- Yang Y, et al. A detection model for EGFR mutations in lung adenocarcinoma patients based on volatile organic compounds. Ann Oncol. 2023; 34 (Suppl_2): S726
- Nardi-Agmon I, et al. Exhaled Breath Analysis for Monitoring Response to Treatment in Advanced Lung Cancer. J Thorac Oncol. 2016; 11(6):827-37.